Com tantos padrões de beleza, modismos latentes nas redes sociais e aplicativos para alterar seu rosto, uma cirurgiã plástica analisa quando o assunto pode ir longe demais.
Por Clara Moreira Lima Marigo
Atualizado em 14.03.2019
Se nos anos 80 e 90 as mulheres marcavam consultas com cirurgiões
plásticos levando debaixo do braço páginas de revistas de moda, em 2019 basta
um celular conectado ao Instagram para que uma enorme (e tantas vezes
inatingível) coleção de fotos sirva de referência para a beleza dos sonhos.
Já falamos sobre como filtros da rede social interferem tanto com
a relação de toda uma
geração com a sua pele, mas e se formos ainda mais longe e começarmos a
pensar nos tantos modismos de cirurgias plásticas que se firmam graças às redes
sociais? Com tantos aplicativos que transformam seu rosto em poucos cliques na
tela e feeds tão recheados de rostos retocados, é impossível não detectar,
entre uma faixa etária cada vez mais jovem, uma dificuldade latente em se
conectar com si mesmo - seja por dentro ou por fora. É aí que mora a motivação
inicial por um rosto que não é o seu e, tantas vezes, jamais poderá ser.
"Quando fala-se especificamente de redes sociais, vemos um aumento
cada vez maior de preenchimentos - como lábio e malar - em pacientes jovens, o
que não era comum até pouco tempo atrás. O que antes era usado em pacientes
mais velhos para driblar a flacidez da pele, hoje em dia é usado cada vez mais
por jovens que buscam a técnica para diferenciar os ângulos da face",
conta a Dra. Tatiana de Moura, cirurgiã plástica e membro da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Para a médica, muito disso se deve
ao hábito cada vez mais frequente de tirar selfies e fotos e se ver através da
lente de uma câmera, além de tantas contas sendo seguidas no Instagram:
"Elas chegam no consultório com uma foto, mas eu de cara ressalto
que estamos vendo apenas por um ângulo, e eu não consigo me basear por uma
foto. Pode ser que a pessoa às vezes nem tenha a mesma ascendência genética ou
etnia da paciente, por isso aviso logo que não vamos conseguir chegar no
resultado que ela quer. Sempre rechaço qualquer busca de resultado a partir de
uma foto, até porque uma foto de alguém que você segue no Instagram não é você,
e não sabemos nem se a imagem está tratada no Photoshop. Quando a pessoa chega
assim, a gente tenta cortar de cara", continua a cirurgiã plástica.
"Essa distorção foi potencializada pelas redes sociais, mas ela já
existia. O que mudou é que as pessoas têm muito mais exemplos, e tudo parece
muito mais possível e atingível. A relação ficou, de forma ilusória, mais
próxima, ao contrário do que se acontecia com as revistas de moda",
completa.
Se até outro dia a febre era de lábios bem carnudos, atualmente a Dra.
Tatiana de Moura aponta o preenchimento
de nível ósseo MD Codes como o modismo da vez e um dos mais
procurados entre seus pacientes. O procedimento muda a angulação da face com o
preenchimento de malar (o famoso Top
Model Look), queixo, base do nariz ou até a região temporal.
Mas, para a médica, há um abuso atualmente da técnica por jovens e até
adultos que não precisam mexer no rosto de forma tão radical, mas o fazem por
influência de famosos e redes sociais: "Todo mundo atualmente está fazendo
isso e ficando com o rosto igual", ela conta, sobre a harmonização facial.
"Você tem injetores profissionais que injetam dez, 15 ampolas de
preenchimento para fazer esta harmonização facial, vendendo a ideia de que o
paciente vai rejuvenescer até quatro anos. Mas eu quero ver estas pessoas que
injetaram dez ampolas de ácido hialurônico de alta densidade daqui a quatro
anos. Se o malar vai continuar no lugar ou vai ter caído, e daí por diante. Se
tudo vai ter sido absorvido... Eu realmente não sei, e coloco esse medo nas
pacientes mesmo".
Traçando um paralelo entre a febre da harmonização facial com o boom do
preenchimento labial da década passada, a Dra. Tatiana de Moura fala sobre a
perda do controle sobre o procedimento: "Os pacientes acabam querendo
injetar cada vez mais e sem qualquer critério, e reverter o processo pode ser
complicado", analisa, já citando as tantas pacientes que retornaram ao seu
consultório para tirar os preenchimentos labiais após o fim da tendência da
boca de Angelina Jolie ou Kylie Jenner. "Para reverter, depende do tipo de
preenchimento usado.
Há os mais simples de se reverter, mas outros em que pode ser necessário
um procedimento cirúrgico abrindo o lábio por dentro da boca - como quando se
usa o PMMA, que teve um boom em seu uso nos últimos tempos. Nós chegamos a ter
um ambulatório no Hospital das Clínicas dedicado apenas para tratar
complicações de PMMA, como necrose de ponta de nariz, ponta de lábio,
inflamações crônicas e daí por diante".
A Dra. Tatiana acredita em se trabalhar sempre a autoestima, mas é
contra o exagero, apontado aplicativos como o Facetune e programas como o
Photoshop como uma fonte séria de busca por um rosto inalcançável: "O
filtro em si não me incomoda muito, mas sim mexer no rosto no Photoshop. Você
mimetiza diversos procedimentos, e isso interfere no meu trabalho, porque a
pessoa chega no meu consultório buscando algo factível no Photoshop, mas não
com uma cirurgia plástica. É uma angulação completamente diferente: uma menina
com um rosto quadrado que chega com uma foto dela em que o rosto, mexido no
programa, ficou triangular. Até dá para fazer, e eu listo todos os passos para
se chegar nesse resultado, mas é isso mesmo? Você quer ser outra pessoa? Você
está disposta a ter um gasto e um risco absurdo? Por outro lado, há quem ache
que para se alcançar um resultado, basta um procedimento simples, quando nem
sempre é isso. Tudo tem risco, e não se deve minimizar os procedimentos. O
pouquinho pode ser muito".
Conversando com a Dra. Tatiana, ela ressalta que cirurgias plásticas
muitas vezes são uma decisão para sempre, que não podem ser revertidas, e que
por isso mesmo, ela sempre pergunta a seus pacientes - ainda mais quando jovens
- se eles já pararam para visualizar sua vida daqui a alguns anos. "Será
que quando você estiver formada e ingressando no mercado de trabalho você vai
querer o lábio ou a mama de um determinado tamanho? Eu não quero nunca tolher a
pessoa, mas ela precisa sempre ponderar que a vida dela vai mudar, e a cirurgia
vai estar lá".
A cirurgiã cita, como o exemplo que mais causa arrependimento em suas
pacientes atualmente, o aumento da mama. Para ela, isso é, como tantas outras
tendências, consequência direta do Instagram: "Lá o negócio hoje em dia é
ser magra, não ser a mais gostosa. Por isso, cada vez mais pacientes vem pedir
para diminuir suas próteses. Só que diminuir a prótese significa lidar com uma
flacidez na região", alerta.
Não à toa, ela revela que o número de próteses que se colocam em meninas
na faixa dos 20 anos é muito maior do que em mulheres de 30 e, gradativamente,
40 anos: "E não é porque elas são mais velhas, mas porque elas se veem de
outra forma em outra idade, é normal. A gente tem que saber falar não, mesmo
que isso signifique perder a paciente".
É bem por aí mesmo: quanto mais o tempo passa, mais estúpida vai ficando
a ideia de se espelhar em outras pessoas para nos encontrarmos. Talvez pelo
convívio cada vez mais afinado com nós mesmas, poderemos nos olhar com mais
carinho e apreciação, e menos como uma espécie de massinha que pode ser moldada
para se enquadrar em um estereótipo.
Tendências são passageiras mesmo - e ficam datadas. Quem ainda quer uma
calça skinny à la Beetlejuice? A diferença é que ela dá para guardar no fundo
do armário ou passar adiante. Nosso rosto segue com a gente. E quanto mais você
mexer nele, mais difícil pode ser de você se ver.
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